Ferreira Fernandes, Director do Diário de Notícias (jornal português) escreveu recentemente o artigo “O enterro pacífico de Jonas Savimbi” no qual, mais uma vez, revela a sua legítima subserviência ao MPLA, usando a sua excelente capacidade de escrita para, neste caso, mascarar mais uma estrondosa mentira.
Por Orlando Castro
Diz Ferreira Fernandes que, “em 2002, Savimbi foi morto em combate e o seu corpo – relembro o simbolismo – foi enterrado, com honras militares, mas algures. Entretanto, a guerra civil acabou mesmo – tão raro em África – e os soldados e os oficiais da UNITA integraram as forças armadas. Um deles, o general Nunda, foi até ao ano passado chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas Angolanas. O corpo do símbolo é que ainda não tinha atingido o patamar da normalidade”.
Ora, como ele bem sabe, o general Nunda, como outros, não entrou para as FAA como consequência de a guerra civil ter acabado. Entrou muito, mas muito, antes. Aliás, até foi fundamental na “caça” e respectivo assassinato de Jonas Savimbi.
O regime angolano do MPLA é, de facto e de jure, um exemplo de tudo quanto contraria a democracia. Desde 1975, como bem sabe mas convenientemente esquece Ferreira Fernandes, prende e mata inocentes, inventa tentativas de golpe de Estado (milhares e milhares de mortos no 27 de Maio de 1975), descalça-se para contar até 12 mas confunde os pés. Não deixa, contudo, de satisfazer as verdadeiras democracias para quem é melhor, muito melhor, negociar com ditaduras que não deixam de o ser mesmo quando (como fazia Salazar) permitem a existência de partidos mais ou menos decorativos.
Nunca é exagero perguntar: Em alguma democracia séria, em algum Estado de Direito, se viu um Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dizer, em plena campanha eleitoral, que um dos candidatos – mesmo que seja o presidente da República – marcou a sua postura “por momentos de sacrifício e glória”, permitindo “a Angola preservar a independência e soberania nacionais, a consolidação da paz, o aprofundamento da democracia, a unidade e reconciliação entre os angolanos, a reconstrução do país, bem como a estabilidade em África e em particular nas regiões Austral e Central do continente”?
Não. Nas democracias seria impossível o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas ter manifestações públicas deste género, tomando partido por um dos candidatos. Em democracia, os militares são apartidários.
Mas como Angola não é uma democracia, muito menos um Estado de Direito, o Chefe Estado Maior das Forças Armadas, general Geraldo Sachipengo Nunda, fez isso mesmo, campanha em prol de um dos candidatos, no caso – obviamente – José Eduardo dos Santos.
Recorde-se que Geraldo Sachipengo Nunda foi um dos militares que comandaram a caça, e posterior morte em combate, a Jonas Savimbi. Nunda foi, aliás, um dos generais das FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola) a quem Savimbi ensinou tudo e que, por um prato de lagostas, o traíram.
Essa é uma enorme espinha que Nunda dificilmente conseguirá tirar da garganta. Acredito que já a tenha tentado tirar, mas sempre que o faz aparecia o “escolhido de Deus” a lembrar-lhe o passado.
O general Geraldo Sachipengo Nunda chegou mesmo a dizer que com a promulgação e entrada em vigor da Constituição da República de Angola “o país entrou numa nova etapa histórica do seu desenvolvimento”. Referia-se, recorde-se, à Constituição que aboliu a eleição presidencial.
É, aliás, admirável a forma como os militares angolanos estão sempre a falar da necessidade da preservação da paz (já cimentada há 17 anos), da Constituição e do culto canino e irracional a quem for chefe de Estado, desde que seja do MPLA.
“A reconstrução nacional tem permitido a normalização da vida em todo o território nacional”, dizia Geraldo Sachipengo Nunda, acrescentando que existem sinais visíveis de um país que renasce após longos anos de guerra.
Que a guerra em Angola, como qualquer outra, deu cabo do país é uma verdade incontestável. Também é verdade que o país está a crescer, embora esse crescimento só esteja a ser feito para um dos lados (para aquele que está com o regime).
Mas será que Geraldo Sachipengo Nunda se esqueceu da Angola profunda, daquela onde o povo, o seu povo, é gerado com fome, nasce com fome e morre pouco depois com fome?
Será que Geraldo Sachipengo Nunda se esqueceu que o regime ao qual se vendeu considera um crime contra o Estado ter opiniões diferentes das oficiais? Será por isso que teve de lamber as botas a José Eduardo dos Santos e depois a João Lourenço?
Não será altura de Geraldo Sachipengo Nunda se interrogar das razões que levam a que em Angola uns poucos tenham muitos milhões, e muitos milhões não tenham nada?
Não deixa de ser curioso relembrar que Geraldo Sachipengo Nunda dizia que são prioridades das FAA a preparação operativa, combativa e de educação patriótica, transmitindo a vontade e a determinação do Exército de vencer os obstáculos e constrangimentos para que os efectivos disponham de melhores condições e o processo da sua gradual renovação.
Não se sabe ao certo, mas é curial pensar-se que Geraldo Sachipengo Nunda tenha manifestado a sua satisfação pela morte de Savimbi, não fosse o MPLA arrepender-se das mordomias que lhe dera.
Seja como for, Geraldo Sachipengo Nunda está muito bem onde está e terá sempre consigo os louros de ter traído Jonas Savimbi, a UNITA e o povo que ela representava, mesmo quando na ribalta aparece um Ferreira Fernandes a dizer que (…) “a guerra civil acabou mesmo – tão raro em África – e os soldados e os oficiais da UNITA integraram as forças armadas” e que “um deles, o general Nunda, foi até ao ano passado chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas Angolanas”.
Foto: Pedro Simões Ribeiro/TSF